Imaginemo-nos na década de sessenta numa aldeia perdida da
Beira (Litoral) colada às terras da Beira Alta. A carrinha Citroën estaciona no
largo próximo da escola primária. O Serviço de Bibliotecas Itinerantes, criado
recentemente (1958) pela Fundação Calouste Gulbenkian trazia agora aos alunos
daquele pequeno espaço escolar a possibilidade de, quinzenalmente, requisitarem
livros para ler em casa. A sensação de levantar a perna para subir os degraus e
entrar (ansiosamente) naquele espaço (hoje chamam-lhe bibliomóvel) ainda
permanece na memória sensitiva. Só ali, estariam concentrados mais livros do
que provavelmente em todas as aldeias das redondezas (ou talvez não). É que
poucos anos depois, fomos encontrar o Sr. Carlos a atirar alguns livros para
uma pequena “cratera” que tinha escavado no quintal e onde se preparava para
lançar o fogo. Ainda consegui salvar, recordo-me bem, um Manual de Caligrafia e
um livro de meados do século XVIII, chamado o Secretário Português, que ainda
está ali na minha estante, e alguns livros mais sobre geografia e história
universal.
Voltando à Biblioteca Itinerante: a astronomia, e tudo o que
se relacionava com ciência (biografias de Madame Curie, Thomas Alva Edison e a
ficção de Julio Verne, por exemplo) era um dos temas preferidos, além da série
dos Sete (Enid Blyton) e outros livros de aventuras. Desses livros sobre os
astros, terá na altura aparecido uma pequena obra de divulgação “A Lua” de O.
Binder. Como gostaria de o ter e não precisar de o devolver! Naquele tempo eram
pouco ilustrados. E como até me interessava mais o texto, não hesitei. Peguei
numa sebenta (pequeno caderno, formato A5) e transcrevi integralmente, com uma
letra muito bem desenhada toda aquela preciosa informação. Assim, pude
acrescentar ao Secretário Português mais um volume (que também ali está na
estante).
A minha relação com os livros (além dos escolares) passou
muito por episódios como estes. Penso que o desejo de saber, de aprender sempre
mais, de recolher mais informação, pesou, por vezes, mais do que o simples desafio da aventura, apesar
do prazer experimentado com a leitura de livros como Huckleberry Finn, A Cabana
do Pai Tomás, A Ilha do Tesouro…ou mais tarde, com as obras de Torga, Saramago,
Kafka, Garcia Marquez…
A biblioteca pública sempre foi (ainda hoje) um local de
visita frequente. Leitor compulsivo? Penso mesmo que não. Por exemplo sou incapaz de ler um romance
mais do que uma vez. [Por vezes lembro-me dos direitos do leitor de Daniel
Penac e “salto páginas"...]. Mas entrar numa biblioteca ou numa livraria é
sempre um momento em que me sinto transportado para um espaço e um tempo
diferente, ou talvez, para um espaço sem tempo e um tempo sem espaço…
David G. de Almeida - Sábado, 28 Janeiro 2017, 13:48