quarta-feira, 23 de agosto de 2017

Eu, leitor


Imaginemo-nos na década de sessenta numa aldeia perdida da Beira (Litoral) colada às terras da Beira Alta. A carrinha Citroën estaciona no largo próximo da escola primária. O Serviço de Bibliotecas Itinerantes, criado recentemente (1958) pela Fundação Calouste Gulbenkian trazia agora aos alunos daquele pequeno espaço escolar a possibilidade de, quinzenalmente, requisitarem livros para ler em casa. A sensação de levantar a perna para subir os degraus e entrar (ansiosamente) naquele espaço (hoje chamam-lhe bibliomóvel) ainda permanece na memória sensitiva. Só ali, estariam concentrados mais livros do que provavelmente em todas as aldeias das redondezas (ou talvez não). É que poucos anos depois, fomos encontrar o Sr. Carlos a atirar alguns livros para uma pequena “cratera” que tinha escavado no quintal e onde se preparava para lançar o fogo. Ainda consegui salvar, recordo-me bem, um Manual de Caligrafia e um livro de meados do século XVIII, chamado o Secretário Português, que ainda está ali na minha estante, e alguns livros mais sobre geografia e história universal.

Voltando à Biblioteca Itinerante: a astronomia, e tudo o que se relacionava com ciência (biografias de Madame Curie, Thomas Alva Edison e a ficção de Julio Verne, por exemplo) era um dos temas preferidos, além da série dos Sete (Enid Blyton) e outros livros de aventuras. Desses livros sobre os astros, terá na altura aparecido uma pequena obra de divulgação “A Lua” de O. Binder. Como gostaria de o ter e não precisar de o devolver! Naquele tempo eram pouco ilustrados. E como até me interessava mais o texto, não hesitei. Peguei numa sebenta (pequeno caderno, formato A5) e transcrevi integralmente, com uma letra muito bem desenhada toda aquela preciosa informação. Assim, pude acrescentar ao Secretário Português mais um volume (que também ali está na estante).

A minha relação com os livros (além dos escolares) passou muito por episódios como estes. Penso que o desejo de saber, de aprender sempre mais, de recolher mais informação, pesou, por vezes, mais  do que o simples desafio da aventura, apesar do prazer experimentado com a leitura de livros como Huckleberry Finn, A Cabana do Pai Tomás, A Ilha do Tesouro…ou mais tarde, com as obras de Torga, Saramago, Kafka, Garcia Marquez…


A biblioteca pública sempre foi (ainda hoje) um local de visita frequente. Leitor compulsivo? Penso mesmo que não.  Por exemplo sou incapaz de ler um romance mais do que uma vez. [Por vezes lembro-me dos direitos do leitor de Daniel Penac e “salto páginas"...]. Mas entrar numa biblioteca ou numa livraria é sempre um momento em que me sinto transportado para um espaço e um tempo diferente, ou talvez, para um espaço sem tempo e um tempo sem espaço…

David G. de Almeida - Sábado, 28 Janeiro 2017, 13:48

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